No sítio do Ressalto.net Norberto Alves escreveu a sua última análise sobre o EuroBaskt, em que Portugal participou e a Espanha, pela segunda vez consecutiva, venceu:
"Acabou o europeu e Espanha ganhou. Normalmente ganham os melhores. E a selecção espanhola foi a melhor de um europeu caracterizado pela elevada qualidade do jogo praticado.
Assente num misto de disciplina táctica e de liberdade individual, Espanha foi a selecção mais consistente do campeonato. Tal como disse numa das minhas crónicas anteriores, não é difícil colocar a jogar juntos jogadores de qualidade elevada quando todos colocam os objectivos da equipa em primeiro lugar. Mesmo que pareçam incompatíveis. Olhando para a forma como Espanha ganhou, fica claro que não é obrigatório jogar com o 4 aberto, opção da moda actual. Mérito do treinador e dos jogadores da selecção espanhola.
Também foi evidente, as diversas formas de defender bloqueios directos, indirectos e os 1x1 do jogo actual. Só avisar os bloqueios e ter determinação é muito pouco. Espanha tinha a lição bem estudada por um treinador (Scariolo) que faz do scouting do adversário uma arma poderosa.
Claro que podemos sempre destacar Navarro ou Pau Gasol na selecção espanhola, mas, a qualidade deles ganha maior expressão quando quem os rodeia conhece bem o jogo, e sabe interpretar o seu papel.
As qualidades evidenciadas por estes dois jogadores devem ser referência para quem treina. Um é um jogador exterior e o outro um poste. Têm aspectos em comum apesar das diferentes posições onde jogam: versatilidade, grande força mental para assumir responsabilidades nos momentos críticos do jogo, intensidade e capacidade de finalizar acções de forma diversa. Parece-me bem falar em capacidade de finalizar e não de lançar porque, de facto, as soluções que usam para concretizar o objectivo ofensivo do jogo vão muito para lá das formas tradicionais de lançamento ensinadas.
Na minha opinião, observá-los (com atenção!) na sua especificidade deve ser preocupação dos treinadores, independentemente do nível ou escalão. Quem treina formação deve saber ”um mínimo alto de conhecimento táctico” como disse este ano no último Clinic Internacional de Formação em Cantanhede, um dos adjuntos desta selecção de Espanha (Ricard Casas). Porquê? Na minha opinião, porque devem ser as exigências do jogo actual ao mais alto nível que indicam o sentido a percorrer na construção dos jogadores.
Como já disse anteriormente, o bloqueio directo é a combinação táctica mais decisiva no basquetebol actual, mas não só. Constantes situações de bola à mão (com ou sem drible) no sentido de dar continuidade ao ataque sem perder agressividade, formas derivadas de passar (como exemplo o uso frequente dos passes em lob para os postes, nomeadamente após o desfazer do bloqueio directo). Grande capacidade de leitura do jogo e das reacções defensivas por parte de quem não tem a bola, dando espaço e reagindo aos 1x1 e aos 2x2 com uso dos bloqueios directos. Também observado a grande facilidade e diversidade de finalizar após penetração para o cesto (a famosa “bomba” de Navarro é o caso mais evidente).
Tendo acompanhado os clinics que a Escola Nacional de Basquetebol e as diligências da agora renovada ANTB, sei que estas preocupações com o jogo actual estão bem presentes na formação constante dos treinadores. E é fundamental que essa preocupação se mantenha. Como já disse, ninguém ensina o que não sabe. Se não querem saber de aprender, não devem querer treinar. Por respeito ao jogo e aos jogadores que desejam o melhor dos conhecimentos existentes.
Quando a observação do jogo mostra o caminho a percorrer, resta aos treinadores a opção de dedicarem (ou não…) o seu trabalho a este jogador “moderno”: intenso, versátil, inteligente a ler o jogo de 1x1 e de 2x2 com utilização de bloqueios, preparado para encestar fazendo recurso a uma variedade de finalizações e com a capacidade de assistir dentro ou para um jogador exterior quando a situação o exige. Se todos sabemos que não devemos queimar etapas na formação dos jogadores, devemos também saber que os nossos jogadores têm que passar por estas novas situações e o mais cedo possível. Se tal não acontecer, então esqueçam a possibilidade de enfrentar um dia com êxito estas equipas que jogaram o europeu. Isso será impossível.
A questão é: sabem e estão disponíveis os treinadores portugueses a treinar as “ferramentas” técnico-tácticas do basquetebol moderno? E acreditam nelas? E treinam-nas com a intensidade do jogo? Alguns, agarrados a ideias antigas, filosofam muito usando uma linguagem floreada destinada a impressionar os outros (nomeadamente os pais dos jogadores…). Filosofia barata quando os jogadores estão longe de aprender o que precisam.
Se continuarmos a treinar só o passe de peito e pouco mais, os dribles básicos e pouco mais, os lançamentos básicos e pouco mais, o 1x1 básico e um jogo colectivo básico (o famoso 5 aberto é bem exemplo disso), então é isso que os jogadores vão conseguir jogar. O básico. E pouco mais. Mas não é apenas isso, muito pelo contrário, o que o jogo actual exige. Goste-se ou não dele. Em Espanha começou-se à muito tempo atrás a treinar muito para além do básico. Sem floreados, com exigência.
Este europeu contou com a participação portuguesa. Para voltarmos a estar nestas competições, temos de evoluir a quantidade e qualidade do nosso treino. É necessário renovar uma geração de jogadores que deram muito à selecção. Mas, fundamentalmente é necessário trabalhar mais e melhor alterando práticas. Desde o minibasquete! Quantos anos serão precisos? Não sei. Mas é melhor começar já amanhã.
Deixar o meu obrigado ao Carlos Azevedo pelo convite para dar a minha opinião sobre o europeu e desejar boa sorte para o site Ressalto.net.
Norberto Alves"